Então ouvi outra voz... A Voz Dele!
Ele ordenou levantando o caduceu:
- Fiat Lux! Levanta!
- RESPIRE FUNDO - ouvi ao longe a voz imperativa e técnica do anestesista.
- RESPIRE FUNDO E CONTE ATÉ 10! - senti uns tapinhas no braço, algo saindo goela acima, deixando o tão esperado ar encher o meu peito. A voz continuou, junto a mais dois tapinhas:
- Deixe o cigarro, camarada! Estava cheio de secreção!
Então ouvi outra voz... A Voz Dele!
Ele ordenou levantando o caduceu:
- Fiat Lux! Levanta!
Abri os olhos e retornei à luz. Pois lá onde estava nada havia... Nem anjos com harpas, nem santos, nem luzes coloridas... Nada. Só havia o nada.
Arregalei bem os olhos e sorri para a vida, para o tudo que eu posso novamente desfrutar. Sorri para os médicos, me despedindo do nada e renascendo no mesmo local em que nascera, 54 anos atrás... As rodas da maca me lembram o barulho de um trem, que ouvira outrora em outra vida. Um trem que me leva rapidamente ao reencontro com todas as pessoas queridas. Um Trem danado de bom!
QUE PRAZER!
E a luz maravilhosa acendeu...
E a imagem encantada apareceu...
E o verbo prolixo emudeceu.
Não havendo mais o que falar,
O menino rouco foi brincar.
Inventou um coquetel de cores e foi pintar...
Foi pintar o menino que brincava de amar!
E assim terminou minha jornada recente pelo SUS, iniciada em 21 de março de 2012, quando entrei na "famosa" fila, para pegar o meu cartão do Sistema Único de Saúde.
Descobri que tinha Bócio de Tireóide em 2005. Como tudo na minha vida, não tive pressa. Entreguei a Deus. Cada visita que fazia a um médico, uma decepção, falta de confiança, enfim, uma coisa ou outra sempre me dizia para adiar a operação. Sendo filho, irmão e tio de médicos, sabia muito bem o risco que estava correndo, deixando que a doença evoluísse e atrapalhasse muito a minha vida. Mas segui os meus instintos, priorizei outras coisas e outras pessoas. Ainda não era a hora. Finalmente, na festa de casamento de uma sobrinha, no início deste ano, meu sobrinho médico Leonardo "exigiu" que procurasse um seu amigo e colega cirurgião. Assim fiz.
Para minha grata surpresa, Deus me colocou esse jovem e excelente cirurgião no meu caminho: Dr. Klécius Leite Fernandes. A confiança foi imediata, a simpatia recíproca. Ali estava O CARA!
O médico me consultou, pediu exames e marcamos a cirurgia, tão logo eu lhe levasse os resultados dos exames pré-operatórios, que ele executaria em Hospital de sua confiança.
Me cadastrei então no SUS e dei entrada na infernal "burrocracia" ali existente. Por birra, decidi que faria pelo SUS, pois é um direito que tenho. E uma coisa que aprendi foi a lutar pelo que tenho direito. Doa a quem doer. Filas e esperas longas depois, com os exames em mãos, retornei ao consultório de Dr. Klécius e marcamos a cirurgia, dali a 8 dias, Hospital São Vicente de Paulo (mais um bom indício, pois nascera ali há alguns anos, 1958, quando também passara por grande aperto, nascido de 8 meses, em parto arriscado realizado pelos médicos Danilo Luna e Isaias Silva - meu pai)
A CIRURGIA: IMAGENS FORTES
Bruno Steinbach: O meu pescoço aberto.
Bócio mergulhante de tireóide, o nimigo que se infiltrava pelo meu corpo sendo extirpado pelas mãos do Anjo.
Fotos: Dr. Klécius Leite Fernandes, cirurgião de cabeça e pescoço.
Pelo tempo que passei adiando a cirurgia, o problema se agravou e a operação foi bastante complicada e demorada, de risco. O bócio mergulhante se infiltrara entre as artérias e nervos da face, comprometendo minhas funções.
Uma fração de milímetro de erro e poderia perder a visão, a audição, os movimentos da face ou até mesmo morrer.
Perguntou-me se estava sentindo algum efeito colateral. Respondi-lhe que sim: Felicidade!
Não tenho palavras para expressar a minha gratidão por esse moço.
Estava salvo.
Saio da experiência vitorioso e feliz, principalmente pelo apoio recebido da família e dos amigos. De triste somente a constatação de que poucos têm a mesma sorte que tive. Na burocracia, o tratamento dispensado às pessoas atendidas pelo SUS deixa a desejar no que diz respeito à gentileza, boas maneiras e generosidade. Funcionários mal humorados e mal pagos atendendo pobres idosos que estão ali sofrendo, doentes. Sei que a demanda é enorme, mas nada que impeça um pouco de amor e respeito pelos mais carentes e necessitados, principalmente da parte de médicos e funcionários mais graduados. Um pouco de carinho não custa nada e é tão importante para quem sofre. Como já disse, comigo não tem brincadeira nessas horas: ajoelhou, tem que rezar. Não engulo sapos!
Mas nem todos têm a mesma sorte e a mesma fibra.
BOA NOTÍCIA PARA A ONCOLOGIA NA PARAÍBA:
3 dias após a retirada dos pontos do pescoço e apenas 14 da cirurgia. Com minha irmã Márcia Steinbach Silva Kaplan. Prazerosa e querida visita da mana, começando o dia muito bem, em sua companhia, tomando um café feito na hora, coado no pano, com torradinha de alho (trazidas pelo meu amigo Wilson, nosso "se vira nos 30").
E ouvindo o piano da minha filha Juliana Steinbach, que apesar de estar longe vive tocando nos meus ouvidos e na minha mente...
Muito bom!
Se não tem a sorte de ter uma filha pianista, escute a minha, nós deixamos...
Pessoas com as quais eu divido a minha felicidade e a minha gratidão:
Agradecimento muito especial para o amigo irmão Sergio Lopes, companheiro velho de várias batalhas na vida. Com a esposa Luciara, doou seu sangue e a sua solidariedade. Foi na garupa da sua moto que enfrentei e venci a burocracia do SUS, durante vários dias e várias filas. Deixou-me praticamente à porta da sala de cirurgia e estava sempre preocupado com a minha segurança...
Meu sobrinho Leonardo Fontes Silva, que, orientado por Deus, me apresentou o meu salvador e deu todo o apoio médico.
Minha irmã Márcia Steinbach S. Kaplan, todo o tempo junto e providenciando tudo, pondo "ordem na casa".
Meus manos Eduardo Machado Silva, Patrícia Machado Nóbrega e o meu cunhado Ubiracy Nóbrega.
Meus filhos Bruna Steinbach e Daniel Chaves. A sua mãe, Rosanna Chaves e o seu esposo Felipe, que também doou sangue.
Meu amigo querido João Maciel, doou seu sangue e providenciou doadores, tanto que doamos para outro paciente que não os tinha.
Silvino Espinola, pelo carinho.
Meu amigo Wilson, nosso "faz tudo" aqui do bairro.
Meus vizinhos, que não me deixam só e fazem a sopinha de que tanto gosto.
Vocês daqui e do facebook, que rezaram e torceram por mim.
E, principalmente, ao meu Anjo salvador:
o cirurgião/endocrinologista Dr. Klécius Leite Fernandes.
Com a sua competência, generosidade, dignidade e simpatia contagiante, salvou a minha vida e me devolveu a alegria de viver, conseguindo realizar uma cirurgia dificílima sem que eu tenha que amargar nenhuma sequela, nem da voz e nem da visão. Cuidou, junto com a sua equipe, para que eu tivesse um pós-operatório rápido, seguro e confortável, mesmo estando internado pelo SUS. Um craque, um mágico. Ele sim é O CARA!
A técnica de enfermagem Ana Maria Xavier Batista, sertaneja valente da cidade paraibana de Teixeira. Velou o meu sono à noite e me deu o primeiro banho... . (-̮̮̃•̃)
Ela tem coragem de mamar em onça.
Sempre tive muita fé em Deus. Só não suporto religião e nem igrejas de nenhum tipo. A religião e a política afastam os povos, a arte e o esporte os unem. Sempre acreditei que se fizermos a nossa parte,"ELE" nos ajudará.
Portanto, acho que fiz a minha parte, fiz por merecer.
Por isso, de joelhos e com toda a humildade, agradeço Àquele que tornou tudo isso possível:
"ELE", que, no meio da escuridão, ordenou:
-Levante!
E eu então me levantei.
*****
O EFEITO COLATERAL: FELICIDADE
Ilustração: "Meninos brincando", de Portinari.
O único efeito colateral dessa operação é que estou igual a um pirralho que ganha uma bicicleta no Natal:
Louco que amanheça para sair correndo, sem lenço e sem documento, chutando areia na praia, engolindo brisa, cuspindo luz... Suando alegria e mijando felicidade!
Que delícia!